A força e a fraqueza de uma palavra

“A Novidade de Deus que se toca nestas parábolas de Jesus expõe aquele que as assume à violência e ao risco de ter que a credibilizar com a própria vida! Porque estas parábolas manifestam, simultaneamente, a força e a fraqueza da Palavra de Deus anunciada pelos Seus profetas. A força de uma Palavra que toca nas estruturas mais íntimas da vida de cada ser humano e das lógicas que dominam as relações entre eles e, ao mesmo tempo, a fraqueza de uma Palavra que não se impõe pela violência nem pela ameaça, uma Palavra que é “frágil” porque com toda facilidade se parte contra a dureza de mente ou de coração daqueles que não a acolhem. E depois fica aquele que a anunciou, só, diante daqueles que a rejeitaram, e essa Palavra, à qual resistiram por ser tão forte, está partida em bocados aos seus pés.”

Rui Santiago Cssr em Yeshua

Total confiança

“O acontecimento mais forte, diante do qual o Cristo é, ao mesmo tempo, indefinido e fluido, é a morte: “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade”. E, efetivamente, Ele avança até o fim de sua vida. Não há amor maior do que dar sua vida por seus amigos. Deixa deslizar através dele o próprio movimento do dom. Até o fim. Não se sente que, em algum momento, Ele esteja retraído, nem mesmo no instante em que pede ao Pai se é possível que o cálice seja afastado dele… No entanto, Ele pressente perfeitamente que a vida irá engolfar-se na morte; nesse caso, Ele conhece não um momento de resistência, mas um momento de interrogação: “Pai… por que me abandonaste?” Sabemos que não foi o Pai que o abandonou, mas a consciência do Pai. O rio já não sabe em que direção, para quem, ele corre… Apesar de tudo, Jesus manifesta uma total confiança: “Pai, que tua vontade seja feita”. E Ele adere, de uma forma completamente fluida, a essa passagem.”

Jean-Yves Leloup em Amar… apesar de tudo

De que lado você está?

“O Cristo era, efetivamente, indefinido, e é nesse sentido que decepcionou bastante seus discípulos que, por sua vez, lhe pediam incessantemente que tomasse partido, tomasse posição em relação ao ocupante romano – eis o que alguém como Judas (e outros discípulos) não conseguiu suportar. Ele não cessava de perguntar-lhe: “Qual é o teu lugar? Vais realmente expulsar o opressor? Será que és a verdadeira encarnação da justiça?” E a atitude de Jesus decepcionou completamente esses espírito rígidos. Com efeito, para ele não havia ocupantes romanos, fariseus ou publicanos, mas apenas pessoas. E a cada uma delas dirigia a palavra apropriada, manifestava-lhe a atitude adequada. Tal qual a água que, como dizíamos, esposa os contornos do obstáculo que encontra em seu caminho, então, sim, essa água não seguia o percurso que Judas, Pedro e os outros teriam gostado que ele empreendesse contra estas ou aquelas coisas consideradas como inimigas.”

Jean-Yves Leloup em Amar… apesar de tudo

Um amor que não evoluiu

“[…] no grego, a primeira palavra para falar do amor é o termo porneia que se refere ao amor do bebê por sua mãe – isso quer dizer que ele a come! Ele gosta de seu leite, de seu calor, ou seja, do objeto materno. Para uma criança, é magnífico amar desta forma… E só vendo como uma criança pode ser glutona! Mas é pena que a mesma atitude possa ser tomada por um homem de cinquenta anos… quando sentimos que se trata de um bebezão que nos devora. Nesse caso, estamos diante de um amor que não evoluiu. Ainda existem enormes bebês com quarenta, cinquenta, sessenta anos que não terminaram de mamar, de comer, de consumir o mundo, de consumir os outros, de consumir o corpo!”

Jean-Ives Leloup em Amar… apesar de tudo

Veneno

“Nunca olhar para trás para desfrutar do fruto da ação, ou da ciência que se possui. Todo esse desfrute está envenenado. Pois só há uma alegria que seja pura; mas ela se liga ao ato e não a seus efeitos.”

Louis Lavelle em Regras da vida cotidiana

Não é nada

“Não se deve adquirir o conhecimento como se adquire uma coisa que ocupe momentaneamente um lugar em nossa memória. Um conhecimento não é nada se ele não se transforma em algo que nos modifique. Assim, ao contrário do que se crê, o conhecimento nunca é senão um meio, não um objetivo; e o objetivo é descobrir por meio dele uma das potências de nossa vida secreta.”

Louis Lavelle em Regras da vida cotidiana

O que ele é

“Este é o trabalho de um mestre; fazer você ficar sedento por algo invisível. É um tipo muito louco de sede; você não pode logicamente provar nada. É um tipo de infecção; aos poucos, lentamente, algo contagioso entra em seu ser. O olhar do mestre, um gesto pego num momento em que você estava em total silêncio e o tráfego mental já não estava tão intenso – apenas uma pausa, um silêncio, um ponto final e algo começa a se agitar em você.
O mestre está lá, fora de você. Sua própria presença começa a agitar algo que estava adormecido há muito tempo. A pessoa começa a surgir, abre os olhos. É uma relação muito estranha estar com um mestre, a mais estranha de todas, porque o mestre não existe mais e o discípulo existe demais. Lentamente, muito lentamente, o nada do mestre domina o discípulo: vendo a beleza do nada, o discípulo começa a abrir mão de ser alguém.
[…]
Esse é o propósito do mestre. Com a sua consciência, com o impacto de sua consciência, o sono do discípulo aos poucos, lentamente, se dissipa, se dispersa. A luz do mestre provoca a sua luz; o silêncio do mestre evoca o seu silêncio.
Lembre-se, o mestre não está fazendo nada em particular. Ele está apenas existindo no momento; tudo acontece por conta própria. Mas o discípulo tem que estar muito vigilante, tem que estar muito focado, muito atento. O discípulo tem que estar muito, mas muito focado e concentrado. Deve permanecer com os olhos abertos, sem piscar. O discípulo tem que estar quase numa espécie de paixão profunda, tão alerta quanto quando se está apaixonado: o mundo todo desaparece e só o ser amado existe.
A menos que o mestre seja o seu amado, seu amante, a menos que toda a sua energia esteja se movendo em direção a ele, a transformação não será possível. Você tem que prestar atenção a cada gesto, a cada nuance.
[…]
Sim, a pessoa tem que estar muito, mas muito atenta na presença do mestre para notar cada gesto, porque nesses gestos está a verdadeira mensagem. A maneira como ele anda, a maneira como ele se senta, a maneira como ele olha para você, o jeito como ele é. O que ele diz é secundário; o mais importante é o que ele é, isso é fundamental. Portanto, aqueles que estão absortos em seus argumentos, em suas palavras e teorias, em suas expectativas, continuam sem entender nada.”

Osho em Confiança

Só nos falta o essencial

“No mundo de hoje, tudo que é divino e festivo ficou obsoleto. Tudo se transformou numa grande e única loja comercial. A assim chamada economia sharing está transformando a cada um de nós em vendedor, sempre espreitando na busca de clientes. Nós enchemos o mundo com objetos e mercadorias com vida útil e validade cada vez menores. Essa loja de mercadorias não se distingue muito de um manicômio. Aparentemente, temos tudo; só nos falta o essencial, a saber, o mundo. O mundo perdeu a sua alma e sua fala, se tornou desprovido de qualquer som. O alarido da comunicação sufoca o silêncio. A proliferação e massificação das coisas expulsa o vazio. As coisas superpovoam céu e terra. Esse universo-mercadoria não é mais apropriado para se morar. Ele perdeu toda relação para com o divino, para com o sagrado, com o mistério, com o infinito, com o supremo, com o elevado. Perdemos toda capacidade de admiração. Vivemos numa loja mercantil transparente, onde nós próprios, enquanto clientes transparentes, somos supervisionados e governados. Já é tempo de rompermos com essa casa mercantil. Já é hora de transformar essa casa mercantil novamente numa moradia, numa casa de festa, onde valha mesmo a pena viver.”

Byung-Chul Han em Sociedade do cansaço

Liberdade paradoxal

“A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível. Não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão. O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada. A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade. Reflete aquela humanidade que está em guerra consigo mesma.
O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explorá-lo. É senhor e soberano de si mesmo. Assim, não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo. É nisso que ele se distingue do sujeito de obediência. A queda da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que a liberdade e coação coincidam. Assim, o sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de maximizar o desempenho. O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal.”

Byung-Chul Han em Sociedade do cansaço

Li em 2020

9- Amar… apesar de tudo
Jean-Yves Leloup

8- Regras da vida cotidiana
Louis Lavelle

7- Sem barganhas com Deus
Caio Fábio

6- Confissões do Pastor
Caio Fábio

5- Confiança
Osho

4- Evasivas admiráveis
Theodore Dalrymple

3- Sociedade do cansaço
Byung-Chul Han

2- Sangue sábio
Flannery O”Connor

1- Qualquer coisa serve
Theodore Dalrymple

Frágil e vulnerável

“A beleza é uma qualidade frágil e vulnerável; além disso, é difícil alcançá-la. A feiura, por sua vez, é inquebrantável e invulnerável, bem como facílima de ser conquistada. (Como é fácil ficar feio e difícil ficar bonito!). Ao esposarmos o feio, também nós nos tornamos invulneráveis – esposando o feio, afinal, dizemos aos outros: “Você não pode me chocar, me deprimir, me intimidar, me chantagear ou me acanhar”.
Nós usamos o feio como uma espécie de blindagem, no intuito de consolidarmos uma autonomia plena no mundo. Com efeito, aquele que diz “Acho isso bonito” ou “Isso me comove profundamente” revela de si mesmo algo assaz importante e que o torna vulnerável aos outros. Porventura há o que desprezemos mais do que alguém que acha belo, ou mesmo muito comovente, aquilo que julgamos banal, trivial ou de mau gosto? É melhor, portanto, ficarmos calados quando o assunto é beleza; assim, ninguém nos zombará ou desprezará em virtude de nossa fragilidade e nosso ego permanecerá intacto. E, no mundo moderno, o ego é tudo.”

Theodore Dalrympe em Qualquer coisa serve

Força da alma

“A assistência e o apóstolo, muito aflitos, descem a escadaria, e estacam aterrados, diante do corpo de Êutico inanimado. Paulo levanta-o nos braços e beija-o na fronte. Vendo o morto abrir as pálpebras, diz, em voz alta, serenando os aflitos: Não vos perturbeis, que sua alma nele está. Todos acreditam no milagre, o próprio médico Lucas. Todos queriam um milagre. Todos queremos vencer a fatalidade, dominar as leis da matéria. Aspiramos ao impossível. E é a nossa atitude mais heróica. A crença nos milagres tem uma origem sublime. Resulta dum desejo sobrenatural e não da ignorância desprezível. A ignorância não existe no homem, nem nos bichos… Há no instinto animal um conhecimento integral do Cosmos, racionalmente inexplicável e, portanto, milagroso. O instinto conhece tudo; e, sendo o próprio conhecimento inconsciente, realiza tudo. Conhecer é ser. Estes dois verbos representam a mesma ação. A essência das coisas é conhecimento. A ignorância é o vazio. A ignorância só existe como origem da ciência. As coisas sabem ser o que são e, por isso, existem. Nelas se nota uma intenção construtiva, que é a sua própria substância anímica. Tudo é conhecimento e atividade, poesia a traduzir-se em versos. Mas o conhecimento, ao tornar-se consciente, perde a vida e fica reduzido a um pequeno e mísero esqueleto.
A crença nos milagres tem uma origem sublime. É uma força da alma contra a matéria, a Virgem esmagando a Serpente.”

Teixeira de Pascoaes em São Paulo

Um criminoso que viu o perdão

“Paulo não transmitia às almas a sua doença, porque elas já sofriam, como ele; mas sofriam sem remédio. Escravas, ignoravam a liberdade; criminosas, ignoravam o perdão; mortais, ignoravam a imortalidade. E eis que aparece um criminoso, que viu o perdão em Jesus Cristo; um escravo, que viu a liberdade em Jesus Cristo; um mortal, que viu a imortalidade em Jesus Cristo. É S. Paulo.”

Teixeira de Pascoaes em São Paulo

Sentimento de nós próprios

“Paulo, durante dois anos, viveu consigo mesmo, nessa gruta célebre, que ainda existe. Foi o lar do seu espírito, segunda casa paterna. Viveu ali consigo ou com Jesus, por intermédio de Estevão, o anjo mártir, sempre diante dele, a orar por ele. Só por intermédio da dor convivemos com a nossa pessoa verdadeira, aquela de que somos um ilusório simulacro, feito dos átomos de Lucrécio ou das células de qualquer biologista. A felicidade e o prazer amortecem os pontos de contacto entre nós e nós, porque são movimentos dispersivos para fora. Mas a dor é uma chamada à realidade interior do nosso ser; é o sentimento que temos, de nós próprios, agravado.”

Teixeira de Pascoaes em São Paulo

A ausência

“A ausência é mais clara que a presença. Somos feitos duma substância que, desaparecida, é que se mostra. As cousas revelam-se na memória, bem melhor que à luz do Sol. A memória é interior prolongamento dos sentidos; está, por isso, em íntimo contacto com a realidade. Só ela conhece a realidade. Só existe o que nela se fixar. Se me recordo dum sonho, é que ele existe, como qualquer nuvem ou penedo.”

Teixeira do Pascoaes em São Paulo

Essa experiência

“[…] venho ao mundo e o mundo vem a mim, e o dom desse encontro me maravilha e reclama minha gratidão. Daí vem essa experiência inicial: reconhecer aquilo que me é dado e, dando graças ao doador, acolhê-lo sempre mais. É só isso que os anjos fazem. A dor não esteve em seu caminho. Criados na graça, sua tarefa foi simplesmente dar graças, e aceitar para assim entrar na glória. Bastou-lhes abrir-se, humildemente. Mas, se uns voltaram-se filialmente para o Pai, outros comprazeram-se em si mesmos e quiseram conduzir sua vida por conta própria, preferindo abrir as veias a abrir o coração. E foi assim que começaram o paraíso e o inferno… Essa experiência é também a do Éden. O que vem depois é conhecido. Mas a queda dos homens não é como a dos anjos, definitiva. Ela sempre tem algo de derrapagem, de dificuldade, de ridículo. É por isso que a graça pode interrompê-la […]”

Fabrice Hadjadj em O paraíso à porta

Primazia do Maravilhamento

“A precedência ontológica do bem sobre o mal implica uma precedência similar da alegria sobre a angústia. O próprio Heidegger afirma a “aliança secreta” que une a angústia de existir à mais profunda alegria de ser. O ser-jogado não pode não ser precedido por um ser-recolhido. Como eu poderia me sentir tão violentamente jogado no mundo se não tivesse primeiro sido recebido numa ternura? Antes da fria desolação – e como condição de sua possibilidade – é preciso que haja o calor do seio.
A questão do sentido não me pesaria tanto se eu não tivesse primeiro conhecido a leveza infantil de uma “correspondência”. Essa “correspondência” (termo de Baudelaire), essa ressonância implícita e confusa também é original. Ela precede toda dissonância (a que só é experimentada como sua privação), e prepara todo raciocínio (o qual busca reaprendê-la de maneira explícita e distinta). Ela se dá por meio do thaumazein, aquele maravilhamento que Platão e Aristóteles colocam na raiz de toda especulação: “É verdadeiramente digno de um filósofo esse pathos – maravilhar-se; porque não há outro ponto de partida a governar a filosofia”.
O maravilhamento diante da vida é necessariamente anterior à angústia diante da morte. De fato, se a vida não nos aparece mais como uma maravilha, como a morte que vem atingi-la poderia nos causar angústia? Ela não seria mais do que uma banalidade ou um alívio.
A negação da morte também anda junto com a negação da vida. O horror e a maravilha do mundo são diminuídos juntos. Eles são corroídos até caber nas categorias de “estressante” e “relaxante”, de “deprimente” e “legal”. Aquele que, para blindar-se, diz ao homem em luto: “Calma, a vida é assim”, faz da morte uma coisa qualquer, e da existência um assunto esgotado. Assim ele fica forçado a distrair-se dessa nulidade com tagarelices analgésicas ou espetáculos superexcitantes.
Se Heidegger insiste tanto na “convocação” da angústia, é porque ela denuncia essa fuga. Não é que essa angústia seja absolutamente primeira. Mas ela se torna primeira após uma queda preliminar, porque o maravilhamento inicial foi obscurecido pelas preocupações utilitárias, pelas contorções da inveja, pelas arrogâncias da vaidade… Estamos há muito tempo desprovidos do paraíso vislumbrado. Divertimo-nos então ora na indiferença altiva, ora na orgia laboriosa. Contra isso, a angústia tem uma virtude cáustica. Ela destrói meus prazeres vãos para me remeter melhor a uma alegria fundamental. Ela me aperta a garganta para melhor reclamá-la à dilatação de um canto verdadeiro. A “correspondência”, o “Acordo”, como também fala Heidegger, são portanto sempre oferecidos a nós. Mas isso não significa que sejam sempre recebidos. Aquilo que é dado desde o começo é nossa tarefa que não tem outro fim além de acolhê-los numa vida que “devidamente os assume e que os abre a um desenvolvimento.”
Um salmo enuncia isso com a concisão de um relâmpago: A ele gritou minha boca, e minha língua o exaltou (Salmo 65,17). Literalmente: “Gritei para ele minha boca, e ele foi elevado sob minha língua.” É bem isso o que se esconde na língua que se está discutindo aqui, seu freio irreprimível e seu recurso secreto. Posso polir o que está fora com mel ou com fel, mas o que está embaixo dela escapa a meus estados d’alma, assim como me escapa a palavra que falo e que não tem em mim sua origem primeira nem seu endereço último. Meu grito de angústia se baseia ainda numa esperança da alegria. Minhas torrentes de injúrias só ferem por romper a comunhão da palavra e, assim, indiretamente, confirmam que aí é que está sua vocação primeira.
Uivar porque minha vida é roída pelo mal, ou, em outras palavras, pelo nada, é já ter reconhecido que a alegria é o fundo do ser. Mesmo ao blasfemar não consigo evitar totalmente essa confissão. Se insulto o Criador, faço-o utilizando a energia de sua criação, e ainda por cima me maravilhando, mas de um jeito hipócrita, com a força sonora de minha voz. David teve essa experiência: Para onde ir, longe do teu sopro? / Para onde fugir, longe da tua presença? / Se subo ao céu, tu lá estás; / se deito no Xeol, aí te encontro (Salmo 138, 7-8). O pobre rei tenta blasfemar com todas as forças, ele coloca toda a sua energia na rejeição do Deus de Israel (isso é, o Deus-daquele-que-é-forte-contra-Deus), ele estabelece para si o dever de amaldiçoar sua luz e de invocar para si o socorro das trevas, mas – não do não e Nome do Nome! – seus praguejamentos abjuram a si próprios, seu cuspe cai em seu próprio rosto, seu próprio hálito fedorento ainda vai buscar energias, apesar do fedor, no Sopro do Criador.”

Fabrice Hadjadj em O paraíso à porta

Mortalmente ferida

“[…] pedimos à produção material, à farmácia, às ciências físicas, o meio de “tomar o paraíso de uma vez”. É esse o propósito das mais diversas drogas, como também do progresso técnico: nossa natureza, mortalmente ferida, em vez de deixar sua chaga ser iluminada pelo sobrenatural, reclama sem fim uma sutura feita com seus próprios artifícios, faz os pontos com um fio manchado por sua corrupção. Assim, nossos desinfetantes infectam. Nossa carne apodrece debaixo de gases cada vez mais magistrais.”

Fabrice Hadjadj em O paraíso à porta

Pequena bondade

“A “pequena bondade” que vai de um homem a seu próximo se perde e se deforma quando tenta organizar-se e universalizar-se e sistematizar-se, quando quer-se doutrina, tratado de política e de teologia, Partido, Estado e mesmo Igreja. Ela, porém, permanecerá o único refúgio do Bem no Ser. Invicta, ela enfrenta a violência do Mal que, pequena bondade, não conseguiria nem vencer, nem afastar. Pequena bondade que vai apenas de um homem a outro, sem atravessar os lugares e os espaços em que se desenrolam acontecimentos e forças! Utopia notável do Bem, ou segredo de seu além.”

Emmanuel Lévinas

O consumidor

“O consumidor, desprezando a duração e a resistência das coisas, não se permitindo ser tomado de gratidão diante daquilo que se dá e que não tem preço, torna-se um sujeito sem mundo. Ele habita acima de um universo de brochuras e do lixo doméstico, no principado do vazio (e até do vácuo). Além disso, como não há mais regra transcendente para ordenar seu poder de compra e reconhecer no real um caráter não negociável, em suma, como ele não consegue mais ser, ele se permite ser possuído. Ele é convocado a também tornar-se mercadoria. A não ser mais do que matéria-prima para a indústria, adequada para a fabricação do Novo Adão. Ele acaba consumindo a si mesmo.”

Fabrice Hadjadj em O paraíso à porta

A política

“Infelizmente, a política só diz respeito àquilo que aparece no espaço público, e não àquilo que diz respeito ao santuário das almas. De um lado, o homem só pode julgar seu semelhante a partir de seus atos exteriores; de outro, ele não teria como torná-lo virtuoso valendo-se da força. Quanto mais ele julga comunicar a verdadeira virtude por meio da ameaça, mais ele reforça, no temeroso, as aparências da virtude. Desse modo, ele redobra a hipocrisia que pretendia remover. De tanto querer penetrar nos corações, eles fogem, e logo você fica com vontade de arrancá-los.”

Fabrice Hadjadj em O paraíso à porta

Amante pérfido

“A mulher deve, pois, tomar cuidado para não cair nas ciladas de um amante pérfido; muitos deles não procuram ser amados, mas apenas dar livre vazão à sensualidade ou gabar-se de suas conquistas em sociedade; são esses que, antes de receberem da mulher o fruto de seus esforços, parecem usar de boa-fé nas promessas que fazem com ternas palavras e têm intenções puras em tudo o que dizem. Mas, uma vez obtida a paga por suas fadigas, viram casaca; a duplicidade que têm no coração, antes dissimulada, começa a aparecer, e a infeliz mulher, ingênua e crédula demais, acaba mortalmente lograda pelo engenho do ardiloso.”

André Capelão em Tratado do amor cortês

Nível das bestas

“O excesso de paixão impede o amor porque há homens que são escravos de desejos tão impetuosos que o amor não pode retê-los em suas redes; depois de pensarem incessantemente numa mulher, ou depois de terem obtido seus favores, são capazes de desejar outra assim que a veem, esquecidos dos serviços que receberam daquela que amavam e não sentindo por ela nenhum reconhecimento. Tais homens desejam obter prazer com todas as mulheres que veem. Seu amor assemelha-se ao do cão despudorado, mas acredito ser melhor compará-los aos asnos, pois são impelidos unicamente pelo instinto que põe o homem no nível das bestas, e não pela verdadeira natureza, que, dotando-nos de razão, nos diferencia de todos os animais.”

André Capelão em Tratado do amor cortês

A história sorrirá

“E a partir de então, unificada em um imenso exército, em uma imensa fábrica, não conhecendo mais senão heroísmos, disciplinas e invenções, desacreditando toda atividade livre e desinteressada, desistindo de por o bem para além do mundo real e tendo por deus somente ela mesma e suas vontades, a humanidade alcançará grandes realizações, quero dizer, um domínio realmente grandioso sobre a matéria que a cerca, uma consciência realmente satisfeita com seu poder e sua grandeza. E a história sorrirá de pensar que Sócrates e Jesus Cristo morreram por essa espécie.”

Julien Benda em A traição dos intelectuais

Oculta simpatia

“Que oculta simpatia terá conosco o mal, que antes o queremos seguir por entre espinhos, do que ao bem por entre rosas? […] Compramos o vício à custa de trabalhos e aflições; a virtude não a queremos de graça”

Matias Aires em Reflexões sobre a vaidade dos homens

Sentimentalismo

“Em um estado de sentimentalismo, certamente do tipo vivido em público, a pessoa é mais comovida pelo fato de ser comovida do que por aquilo que supostamente a está comovendo. Além disso, está interessada em que todos vejam o quão comovida está. O trigo do sentimento genuíno é logo perdido no joio das considerações secundárias; e, tendo o exagero uma lógica própria, o joio tende a aumentar.”

Theodore Dalrymple em Podres de mimados

Uma atitude diante do mundo

“Mas a fé não é o mesmo que religião. Trata-se de uma atitude diante do mundo, uma atitude que se recusa a ficar contente com a contingência da natureza. A fé olha além da natureza, perguntando a si mesma sobre o que é exigido de mim como modo de agradecimento a esse dom. Ela não lida com a teologia; é aberta a Deus e está ativamente envolvida no processo de dar espaço para Ele, o processo que Scheler chamava de Gottwerdung, algo como “o tornar-se Deus”.”

Roger Scruton em A alma do mundo

Característica permanente

“A Queda não aconteceu em um momento particular no tempo; é uma característica permanente da condição humana. Ficamos suspensos entre liberdade e mecanismo, sujeito e objeto, fim e meios, beleza e feiura, santidade e profanação. E todas essas distinções derivam do mesmo fato derradeiro: podemos viver abertos aos outros, responsabilizando-nos pelas nossas ações e exigindo uma responsabilidade deles, ou então, como alternativa, nos fechar aos outros, aprendendo a olhá-los como objetos, para recuar da ordem da aliança para a ordem da natureza.”

Roger Scruton em A alma do mundo

Experiência da beleza

“A degradação ambiental vem exatamente da mesma forma que a degradação moral, através das pessoas e dos lugares representados de maneira impessoal, como objetos a serem usados em vez de sujeitos a serem respeitados. O senso de beleza coloca um freio na destruição, ao representar o seu objeto como algo insubstituível. Quando o mundo volta-se para mim com os meus olhos, como ocorre na experiência estética, ele também se dirige à minha pessoa de outro modo. Algo me é revelado, me faz ficar diante dele e absorvê-lo. É claro que não faz nenhum sentido sugerir que existem ninfas nas árvores e dríades nos bosques. O que me é revelado na experiência da beleza é uma verdade fundamental sobre ser – que ser é um dom.”

Roger Scruton em A alma do mundo

Direção certa

“[…] a caminhada na direção certa leva não só à paz, mas também ao conhecimento. Quando um homem melhora, torna-se cada vez mais capaz de perceber o mal que ainda existe dentro si. Quando um homem piora, torna-se cada vez menos capaz de captar a própria maldade. Um homem moderadamente mau sabe que não é muito bom; um homem completamente mau acha que está coberto de razão. Nós sabemos disso intuitivamente. Entendemos o sono quando estamos acordados, não quando adormecidos. Percebemos os erros de aritmética quando nossa mente está funcionando direito, não no momento em que os cometemos. Compreendemos a natureza da embriaguez quando estamos sóbrios, não quando bêbados. As pessoas boas conhecem tanto o bem quanto o mal; as pessoas más não conhecem nenhum dos dois.”

C. S. Lewis em Cristianismo puro e simples

A parte central

“Seria melhor dizer que, toda vez que tomamos uma decisão, tornamos um pouco diferente a parte central do nosso ser, a responsável pela decisão tomada. Considerando então nossa vida como um todo, com as inúmeras escolhas feitas ao longo do caminho, aos poucos vamos tornando esse elemento central numa criatura celeste ou numa criatura infernal: uma criatura em harmonia com Deus, com as outras criaturas e consigo mesma, ou uma criatura cheia de ódio e em pé de guerra com Deus, com as outras criaturas e consigo mesma. Ser uma criatura do primeiro tipo é o paraíso, é alegria, paz, conhecimento e poder. Ser do segundo tipo é a loucura, o horror, a idiotia, a raiva, a impotência e a solidão eterna. Cada um de nós, a cada momento, progride em direção a um estado ou ao outro.”

C. S. Lewis em Cristianismo puro e simples

Faça a sua escolha

“[…] a rematada tolice dita por muitos a seu respeito: “Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus.” Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido – ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la.”

C. S. Lewis em Cristianismo puro e simples

Sem pertença

“Uma criança sem pertença é uma criança que tem de ser pega; uma criança sem pai busca pontos de referência. Mais tarde, vai virar um homem-massa, um pedaço de multidão, indivíduo anônimo, ávido de ser governado por um pai carismático, um líder de seita ou uma imagem identificatória, simplória e brutal, que, ao possuí-lo, vai arrebatá-lo… ao preço de sua pessoa.”

Boris Cyrulnik em Os alimentos afetivos

Sinais

“Eis aqui os sinais principais do orgulho: palavra altaneira, amargura no silêncio, dissolução na alegria, furor na tristeza; honestidade na imagem, na aparência do bem, mas desonestidade nas ações, e por último, rancor, ódio nas repreensões.”

Bernardo de Claraval em Tratado da consciência ou Do conhecimento de si mesmo

Admiração de mim mesmo

“Até me acontece que sou pior no pouco bem que faço, porque a alma que deste escasso bem se orgulha e infla, tira deles falsos motivos de segurança e abandona-se à preguiça. Muitas vezes louvei minha própria pessoa e obras; sempre desejei meu louvor nos outros, e quando, sem pretendê-lo, me vi louvado por outros, me agradei pelo elogio. À medida que o orgulho ia crescendo em mim, apresentava-se em minha memória uma multidão de obras por mim realizadas, para que delas me orgulhasse também. E eu, considerando todas essas coisas, amontoando-as em meu pensamento, inflava mais e mais meu orgulho, e, na admiração de mim mesmo, e glorificando-me por meus talentos em vez de dar glória a Deus, de quem tudo recebi, perdi o fruto de todo bem que fiz, reconhecendo então, que todos os que me louvavam não buscavam outra coisa que minha perdição. Porque, quanto mais o homem se glorifica a si mesmo, mas se afasta dele o amor de Deus.”

Bernardo de Claraval em Tratado da consciência ou Do conhecimento de si mesmo

Livrai-me, Senhor, de mim mesmo

“Livrai-me, Senhor, do homem mau, isto é, de mim mesmo, de quem eu não posso separar-me. Porque, de qualquer lado que me vire, aonde queira que vá, seguem-me meus vícios, e também minha consciência, que está sempre presente para escrever tudo quanto faça. Bem que posso fugir, evitar dos juízos dos homens. Não assim com o veredito de minha própria consciência, e se posso ocultar dos homens o que fiz, não posso ocultar-me de mim mesmo o que sei.
[…]
a inveja turbou, corrompeu, dilacerou muitas vezes meu coração. Pela inveja, até os méritos daqueles que vivem santamente foram muitas vezes ocasião de pecado para mim; porque não acreditava no bem, nas coisas boas que deles escutava dizer e as interpretava no mal sentido; e todo o mal que a malícia, a calúnia e a maledicência lhes atribuía, eu acreditava imediatamente, como se tivesse visto com meus olhos.

Desejei para meus inimigos toda sorte de males e deles os acusei, e me afligi de seus adiantamentos e melhora, o que me fazia ainda pior. Ocultei dentro de mim o ódio para com as pessoas boas e alimentei esse ódio para tormento meu. Tive inveja dos que considerava melhores e dos que progrediam no bem; favoreci os maus, regozijando-me de suas maldades e afligindo-me de sua correção. Em meu interior conservei inimizades sem motivo, sem saber por que e temi que os outros apercebessem dessa malícia de meu coração. Com eles me mostrei sempre displicente, jamais amável, e desta maneira transformei-me em amigo do diabo, em inimigo de Deus e de mim mesmo.

Semeei a cizânia entre amigos, confirmei em suas diferenças os discordantes. Desfigurei com mentiras a opinião que pessoas boas tinham de outros; louvei as coisas carnais e temporais em pessoas espirituais, expressamente para que os outros vissem que estas pessoas não estavam tão adiantadas nos bens espirituais como acreditavam. Fingi ser amigo de outro para enganar com tal artifício aqueles que tinham depositado sua confiança em mim. Muitas vezes suscitei motivos de ódio por meio de malévolas suspeitas, regozijando com isto o demônio, em agente do qual me converti. Vendi aparente amizade a não poucas pessoas, das quais era em meu coração inimigo: para elas tinha sempre na boca belas palavras, ainda que na realidade me arrastasse pela lama da malevolência. Fui revelador de segredos alheios e tenaz em minhas más suspeitas, sendo perverso num e noutro destes defeitos: e desse modo, o inimigo perseguiu minha alma e humilhou e arruinou a minha vida.”

Bernardo de Claraval em Tratado da consciência ou Do conhecimento de si mesmo

A nossa vez

“Em cada dor, em cada mudança no nosso corpo, em cada diminuição de nossa capacidade, vemos indicações da nossa mortalidade. E, vendo o declínio sutil, ou não tão sutil, dos nossos pais, entendemos que estamos prestes a perder o escudo que nos separa da morte e que, depois que eles se forem, será a nossa vez.”

Judith Viorst em Perdas necessárias

Uma face linda e outra hedionda

“O ser humano é o único que se falsifica. Um tigre há de ser tigre eternamente. Um leão há de preservar, até morrer, o seu nobilíssimo rugido. E assim o sapo nasce sapo e como tal envelhece e fenece. Nunca vi um marreco que virasse outra coisa. Mas o ser humano pode, sim, desumanizar-se. Ele se falsifica e, ao mesmo tempo, falsifica o mundo. O ser humano, tal como imaginamos, não existe. É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez. Somos aquela pureza e somos aquela miséria. Ora aparecemos varados de luz, como um santo de vitral, ora surgimos como faunos de tapete. Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva. O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas. O ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se diz idiota. Os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas inconfessos. Nunca vi um sujeito vir à boca de cena e anunciar, de testa erguida: ‘Senhoras e senhores, eu sou um canalha’. Não há nada que fazer pelo ser humano: o homem já fracassou.”

Nelson Rodrigues,
em entrevista nos anos 80

A dor, o sofrimento, o luto

“A dor já passou, foi transformada em algo diferente: conheceu-a, gemeu, a seguir ocultou-a dos olhos do mundo, de algum modo, dissecou-a para poder conservá-la como uma múmia suntuosa na sala dos mortos da sua memória. Não vale a pena enganares-te, porque o sofrimento causado pelo amor também desaparece. Fica o luto, um certo tipo de ritual oficial da memória. A dor é uma coisa diferente: um grito selvagem, apesar de ser silencioso. Os animais gritam dessa maneira, quando não compreendem qualquer coisa no mundo – a claridade das estrelas ou os cheiros estranhos – começam a tremer e a gemer. O luto é diferente, é uma questão de razão e de vivência. Mas a dor, um dia, transforma-se; tudo aquilo que se apresentava como orgulho ou ofensa por causa da ausência do outro, vai ser consumido pelas chamas obstinadas e purificadoras do sofrimento para dar lugar à recordação que se pode manejar, amansar e colocar em algum lugar.”

Sándor Márai em A gaivota